Se é fumador e passou a usar cigarros eletrónicos, desengane-se: “está a substituir um hábito não saudável por outro igual, ainda por cima com efeitos no organismo menos estudados” , como afirma Sofia Tello Furtado, diretora de Pneumologia do Hospital da Luz Lisboa. Como tal, os cigarros eletrónicos também não podem ser encarados como uma etapa intermédia no processo de desabituação tabágica. A polémica em torno dos cigarros eletrónicos começou praticamente desde que estes surgiram no mercado. Os seus defensores afirmam que a inexistência de combustão torna-os mais saudáveis, mas a comunidade médica discorda e contrapõe que é preciso estudar devidamente os efeitos desta nova forma de consumir nicotina. Entretanto, estes produtos foram-se diversificando: existe tabaco vaporizado, tabaco aquecido e sem fumo, com múltiplos de aromas. Enquanto os estudos clínicos prosseguem, as sociedades médicas internacionais representativas das principais áreas envolvidas (como pneumologia, cardiologia, medicina interna e pediatria) tomaram uma posição conjunta, declarando que não aconselham os cigarros eletrónicos. E, nos últimos dois meses, os Estados Unidos registaram “um surto de doença pulmonar aguda” – mais de 500 casos e nove mortes, até 24 de setembro – , em que os doentes têm como ponto comum o uso de produtos relacionados com cigarros eletrónicos (dispositivos, líquidos, cápsulas de enchimento e cartuchos). Verifica-se que, em 80% dos casos, os doentes consumiram estes produtos com derivados da canábis. E ainda que pelo menos um terço tem menos de 18 anos (estando provado, aliás, um aumento do número de jovens viciados em nicotina após terem começado a fumar cigarros eletrónicos com sabor). Perante isto, as autoridades norte-americanas pedem à população que deixe de usar estes cigarros enquanto prosseguem as investigações, estando mesmo a ser ponderada uma proibição de venda. Segundo relatórios preliminares, desconhece-se “se a doença é originada por toxicidade de algum dos compostos, por aditivos ou contaminantes desconhecidos ou por outras substâncias formadas quando se dá o aquecimento e vaporização dos líquidos”. Falta regulamentação “Demorámos décadas a estudar os efeitos do tabaco, a provar que faz mal e a que fossem adotadas as adequadas políticas públicas. É preciso tempo também para termos estudos científicos devidamente sustentados sobre os efeitos dos cigarros eletrónicos. Mas de uma coisa temos a certeza: não estão certamente isentos de consequências para a saúde, pois a inalação de compostos químicos é sempre um risco”, salienta Sofia Tello Furtado. Em relação a Portugal, a médica pneumologista alerta que, enquanto o tabaco tradicional está regulamentado (desde o fabrico à venda e publicitação), isso não acontece com os cigarros eletrónicos. E manifesta preocupação sobretudo com os mais jovens: “Há um vazio legal em termos de publicidade, que é permitida. Ora, estes cigarros têm visuais muito apelativos, com múltiplas cores e sabores”. Recomendações da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, a propósito do surto registado nos EUA: O uso de cigarros eletrónicos é perigoso e não é recomendado; Deve ser especialmente evitada a sua utilização por grupos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, adultos jovens, grávidas, idosos e doentes respiratórios crónicos; É especialmente perigosa a utilização de dispositivos adquiridos fora do comércio regulado, a sua utilização modificada ou a adição de líquidos ou óleos contendo derivados da canábis ou outros aditivos; Os consumidores de cigarros eletrónicos que desenvolvam sintomas respiratórios agudos devem procurar o médico e fornecerem-lhe informação sobre o produto que consomem; Os médicos que assistem doentes com quadro clínico semelhante devem obter informação detalhada sobre o uso destes dispositivos e comunicá-lo às autoridades de saúde, em caso de suspeita. Para deixar de fumar, é aconselhável pedir ajuda médica.