«Na Austrália, um doente diz ao seu médico: ‘Segunda-feira, tenho de ir à China para finalmente ser transplantado’. Na China, é preciso encontrar um dador com um tipo de sangue B negativo. Serão executados prisioneiros até um deles ser identificado com esse tipo de sangue e os seus órgãos estarem disponíveis na segunda-feira». Esta foi uma das muitas histórias que Francis Delmonico, o professor norte-americano de cirurgia em Harvard e consultor da Organização Mundial de Saúde para as questões da transplantação e do tráfico de órgãos, contou hoje, no simpósio «Transplantation and Medicine Regenerative Slot» do congresso Leaping Forward, no Hospital da Luz, em Lisboa. Delmonico fez um relato cru da situação mundial do tráfico de órgãos, contando vários casos de exploração das populações e dos países mais pobres por causa da necessidade crescente de órgãos existente nos países mais ricos. «Apenas 110 mil órgãos são transplantados em média, por ano, no Mundo. Isto corresponde apenas a 10% das necessidades. O resultado disto é que as pessoas vão a lugares longínquos à procura de dadores, que encontram entre os mais pobres, os emigrantes ilegais, os prisioneiros, os refugiados…O comércio ilegal de órgãos é uma realidade dramática, que cresce cada vez mais», afirmou, perante uma plateia silenciosa e atenta. «Milhares e milhares de indivíduos vendem os seus órgãos mas só recebem o dinheiro se trouxerem outro dador. E quem são os recetores? Os ricos dos EUA, do Canadá, do Médio Oriente», denunciou. Um rapaz do Bangladesh, contou ainda, mostrando uma fotografia de um jovem de 20 anos, vendeu o seu rim por meia dúzia de dólares. Mais tarde percebeu que lhe tinham retirado, não um rim, mas um pulmão. «E quem faz isto? Os médicos!», declarou. Francis Delmonico esteve toda a manhã no Hospital da Luz debatendo o problema da escassez de órgãos e alertando, ao lado da espanhola Beatrice Dominguez-Gil e de outros especialistas internacionais, para a necessidade de se tomarem medidas que visem a auto-suficiência dos países nesta área. O debate foi intenso e as questões colocadas pelos médicos, na plateia, consideradas «muito importantes» pelo norte-americano. A uma delas, Delmonico chegou a responder ser necessário que os países ‘fechassem’ as suas fronteiras, tornando ilegal a saída de doentes para fazerem transplantes no estrangeiro – uma das maneiras de combater o turismo da transplantação e o comércio ilegal de órgãos. Antes dele, o secretário de Estado da Saúde, Leal da Costa, reconhecera a necessidade de mais medidas para inverter os números mais recentes da colheita e da transplantação em Portugal, mas considerou um avanço a publicação recente de um diploma que expande os critérios de escolha dos dadores. Na abertura do simpósio, Rui Maio, diretor deste encontro e cirurgião especialista em transplantes renais, fez um retrato da situação portuguesa, analisando o estado atual da colheita de órgãos, do número de transplantes realizados e chamando a atenção para as estratégias de combate à escassez de órgãos, que todos os países devem adotar.