Um consórcio à escala global, integrando os mais importantes centros clínicos e de investigação da Europa, América e Ásia dedicados às doenças inflamatórias do intestino, acaba de receber um dos maiores financiamentos de sempre para investigação clínica. O objetivo é fazer com que a Doença de Crohn passe de uma condição crónica e incurável, para uma condição que possa ser eficazmente manejada, e até potencialmente prevenida e evitada. ‘Mudar o futuro da Doença de Crohn’ – é assim que o INTERCEPT, o nome dado ao projeto deste consórcio de investigadores, cientistas e médicos de todo o mundo, se apresenta. Com um financiamento recorde de cerca de 38 milhões de euros, o projeto vai lançar um estudo observacional em grande escala e um ensaio clínico, no qual serão ‘testados’ biomarcadores para a identificação precoce da Doença de Crohn e, a partir daí, estabelecer um score de risco para esta patologia. O objetivo é que com uma simples análise ao sangue seja possível identificar indivíduos com alto risco de desenvolver Doença de Crohn e trabalhar na prevenção e na gestão da sua doença numa fase muito precoce. O ensaio vai recrutar cerca de 10 mil pessoas, familiares em primeiro grau de indivíduos com esta doença, em sete países europeus. Deste grupo, cerca de 80 pessoas identificadas com maior risco, participarão num ensaio terapêutico inovador para prevenir a progressão total da doença. Joana Torres, médica gastrenterologista do Hospital da Luz Lisboa e especialista em doenças inflamatórias do intestino, é uma das líderes do INTERCEPT, ficando a seu cargo a coordenação do grupo que, dentro do consórcio, vai identificar e recrutar as 10 mil pessoas que integrarão a primeira fase do ensaio. O Hospital da Luz Learning Health é o parceiro português deste consórcio, sendo a plataforma nacional para o recrutamento de pessoas para o projeto . “ Este projeto tem o potencial de transformar a maneira como abordamos a Doença de Crohn. Nos últimos anos, temos assistido à publicação de dados que suportam o conceito de que a doença já existe muitos anos antes de ser diagnosticada, de acordo com os critérios clínicos habituais, e que é possível detetar vias inflamatórias alteradas no sangue de futuros doentes. Assim, a hipótese é que, se formos capazes de desenvolver biomarcadores que permitam um diagnóstico precoce, poderemos também intervir precocemente ”, explica a especialista, acrescentando: “ Atualmente, cerca de 30 a 40% dos doentes são diagnosticados com dano estrutural irreversível a nível intestinal e cerca de 50% dos doentes não respondem às terapêuticas disponíveis. Intervir precocemente numa fase em que não existem ainda sintomas, e quem sabe lesões endoscópicas severas, poderia representar uma janela de oportunidade única para modificar o curso da doença ”. “ O INTERCEPT vem no seguimento de muitos outros projetos de investigação dirigidos à fase pré-clínica e doença precoce. Apesar de ser um desafio único, é também um projeto especial para mim, como investigadora, e para o Hospital da Luz, pois aposta num dos pilares importantes do manejo das doenças crónicas: a sua deteção precoce e a sua prevenção. Além disso, ao estudar as vias inflamatórias que precedem o início da doença, podemos almejar detetar novos alvos terapêuticos que podem levar ao desenvolvimento de melhores tratamentos em doentes com Doença de Crohn ”, conclui Joana Torres. Joana Torres está, desde há vários anos, envolvida em alguns dos mais importantes projetos de investigação internacionais sobre doenças inflamatórias do intestino, nomeadamente doença de Crohn. É, por exemplo, uma das investigadoras do estudo GlycanTrigger, em colaboração com a Salomé Pinho - um projeto também com financiamento europeu, onde se pretende testar um suplemento alimentar no manejo de doentes com Doença de Crohn após cirurgia. É a investigadora principal do estudo clínico CROCO (CROhn’s Disease COhort Study) – um estudo multicêntrico internacional que tem o Hospital da Luz como promotor, envolvendo mais de 20 centros hospitalares da Europa e que tem como objetivo avaliar a progressão do dano intestinal num coorte prospetivo de doentes com doença de Crohn recentemente diagnosticada. E já tinha sido financiada pela Organização Internacional para o estudo da Doença Inflamatória do Intestino (IOIBD, na sigla inglesa) com uma bolsa de 50 mil euros para a realização de um projeto de investigação sobre a influência de certos fatores ambientais (exposição a metais pesados) no desenvolvimento daquela doença. Durante o seu doutoramento na Faculdade de Medicina de Lisboa, Joana Torres esteve vários anos a trabalhar no Hospital Mount Sinai, em Nova Iorque, EUA, onde integrou a equipa de investigação de Jean-Frédéric Colombel, um dos nomes de referência clínica e científica mundial na doença de Crohn. Neste momento, é especialista de gastrenterologista no Hospital da Luz e Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, mantendo, a par da sua atividade clínica, o trabalho como investigadora. O INTERCEPT é financiado pelo Innovative Health Initiative Joint Undertaking (IHI JU), tem um orçamento total superior a 38 milhões de euros para os próximos cinco anos e os seus resultados vão implicar uma significativa melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas com doença de Crohn. Cerca de três milhões de pessoas só na Europa sofrem de doenças inflamatórias do intestino (IBD), patologia que tem apresentado uma incidência crescente em crianças e jovens adultos. A doença de Crohn, uma das formas mais comuns de IBD, é crónica e incurável, causando um impacto significativo na vida dos doentes e sobrecarregando os sistemas de saúde nacionais. Apesar dos avanços em tratamentos, a remissão é rara, com quase 50% dos pacientes a serem encaminhados para cirurgia 10 anos após o diagnóstico. O projeto reúne 21 parceiros da Europa, América do Norte e Coreia do Sul, permitindo uma colaboração à escala global que dá força e sustentabilidade aos complexos desafios científicos da atualidade e cujo formato será um importante contributo para o avanço da investigação de forma mais eficiente. O INTERCEPT será oficialmente lançado com uma reunião do consórcio em Berlim, na Alemanha, a 19 de fevereiro de 2025, iniciando-se, nessa data, um caminho decisivo para a cura da doença de Crohn. Na foto, os líderes do projeto ‘Intercept’, com Joana Torres, especialista e investigadora do Hospital da Luz, ao centro